
Até aqui não vos quis trazer o tema «Covid-19». Foi propositado. Para que, pelo menos nestes minutos que passam a “ler-me” se “esqueçam” do que “vai lá fora”. Eu também tento esquecer, sempre que estudo os temas que vos trago, sempre que vos escrevo, sempre que brinco com o meu filho ou quando o alimento. Mas quando paro, não consigo ficar indiferente.
A televisão está desligada. Decidi assim há quase 3 semanas. Só acendo à hora do jantar porque o meu marido não sobrevive sem notícias à noite, ou nalguma das sestas do meu filho quando me apetece ver uma série ou um pedaço que seja de um programa que esteja a passar. Preferi assim. Não porque não me interesso, pelo contrário, mas porque já não me estava a fazer bem. E quando mexe com a saúde mental, devemos encontrar estratégias que nos ajudem a sentirmo-nos melhor.
Hoje não dormi bem. Várias vezes me lembrei daquela camisola que a querida blogger coconafralda tinha vestida no seu post de 19 de Abril: «see beyound your eyes». Fiz uma retroespeção. Às vezes é importante fazê-lo! Para responder a questões, para procurar alternativas, para dar algum sentido a caminhos pouco definidos. Todos os temos. Concordam?
Os meus olhos hoje espelham preocupação, ansiedade e medo do que aí vem, sobretudo porque tenho no mundo este ser pequenino que desde que saiu de mim não consigo proteger como tanto queria. Espelham saudade dos que amo e não posso ver, sentir e tocar. Espelham ansiedade pelos meus colegas de trabalho que “dão o corpo às balas”. Espelham uma vontade imensa de aproveitar cada minuto que tenho.
E os teus, o que dizem os teus olhos hoje?
Acordei com a necessidade de saber o que dizem os olhos DELES:
DAS AVÓS cujos olhos transbordam “tristeza de não poder abraçar os meus queridos netos e restantes famílias e estar longe deles há já um mês”; “tristeza por estar presa, tenho vontade de tirar as amarras. Que medo tenho do amanhã! De os meus netos já não me conhecerem ou de morrer e não me poder despedir”; “uma saudade imensa de ver os meus filhos e netos”.
DA MÃE que sente que “os meus olhos hoje e já há mais de um mês dizem sentir muitas saudades! Saudades que doem! Sentem saudades do melhor pai do mundo (que para mim é o pai da minha filha) e sentem saudades de todos os que me são queridos e que infelizmente não abraço há muito tempo! Os meus olhos dizem que têm medo, sentem ansiedade do agora e do desconhecido… do como será… quando será! Sentem apreensão! Os meus olhos choram e riem com a mesma intensidade… Mas os meus olhos também sentem esperança! Esperança que tudo correrá pelo melhor! Esperança que por certo não sairemos todos bem da mesma maneira, mas esperança que sairemos o melhor possivel depois de tudo isto! Nos meus olhos vive um coração pequenino e cheio de amor que me enche de uma felicidade que eu não sabia existir! Sinto-me ao mesmo tempo a pessoa mais abençoada do mundo! Só posso agradecer pela maravilhosa bebé que me escolheu para ser sua mãe!”.
Numa visão semelhante, DA MÃE que acrescenta “hoje o céu chora e apeteceu-me chorar com ele. «Para que raio de mundo te fui trazer?» insiste em assombrar o meu olhar nestes últimos dias. Mas a beleza da tua gargalhada traz esperança a estes momentos cinzentos. O teu olhar que sorri curioso na descoberta deste mundo povoado de cores, cheiros, texturas, sabores que urgem ser observados com dedicação faz-me encontrar, afinal, cinzentos que cintilam”.
Remata a visão DA MÃE que se perde naquilo que os seus olhos vêem: “Aquele que vês brincar no sofá? Não quer a tua perfeição. Para ele a perfeição são os momentos passados contigo, são as brincadeiras sem jeito e as horas passadas na cozinha a fazer um bolo que depois fica intragável… A perfeição está naquela mãozinha que com horas de vida te agarra com força o dedo e nunca mais se esquece! A perfeição é saber que tu não és perfeita, que ele não é perfeito, mas que estavam destinados a fazer parte da vida (imperfeita) um do outro. Se os olhos são o espelho do que vai dentro de nós, eles demonstrarão sempre o que vos une. E quando essa visão se tornar turva, coloca os óculos do amor e, aos teus olhos, ele será sempre (mais que) perfeito”.
DO PAI e MARIDO, cujos olhos lhe dizem ser “uma pessoa preenchida pelo maior amor do mundo, pelo maior presente da vida, um filho lindo, saudável e maravilhoso! Mas que medo tenho do que lhe possa agora acontecer! Os meus olhos transmitem-me também muita preocupação pela minha família, com receios e medos normais de quem ama… E ainda dizem que quero viver muito para poder acompanhar todos os momentos da vida ao lado da minha família, da minha linda mulher que eu tanto amo”.
DA GRÁVIDA que se sente perdida num olhar de “tristeza e preocupação misturados com medo e ansiedade. Estamos à espera do nosso primeiro rebento e as notícias atuais não são propriamente satisfatórias. Ja tivemos consultas canceladas, análises e ecografias adiadas… Como estávamos indecisos na escolha da maternidade, tínhamos agendadas visitas que vimos canceladas. «Tudo bem», pensámos. Como casal, temos vivido muito esta gravidez e temo-nos apoiado ainda mais (…) Colocar no mundo um novo ser tao frágil e pequeno já acarreta varias preocupacoes e cuidados, quanto mais nos tempos que correm! Os medos normais de nao saber lidar com as questoes habituais de um recém-nascido somam-se aos medos dos problemas que poderão surgir com esta pandemia. Estamos aniosos para saber como vai correr esta nova fase da nossa vida, mas com esperança de que seja apenas uma fase e que tudo ficará bem”.
DO FILHO e DA FILHA que cruzam olhares na esperança: “olho ao meu redor e penso que está tudo imensamente estranho e fora do normal: a alegria das pessoas desapareceu, a vontade de abraçar e beijar os que estão à nossa volta e os que amamos é imensa (…) nunca nos imaginámos viver sem os carinhos a que estávamos habituados e muitas vezes relativizavamos. Hoje tenho medo pelos meus, pelos que amo. Tenho medo pelo meu irmão que continua a trabalhar e por todos os outros profissionais que estão na linha da frente a ajudar o próximo (um bem haja para todos eles)”.

DA MARIA, DO ANTÓNIO, DA JOAQUINA, DO FRANCISCO, DO PEDRO, DA RITA e de todos aqueles que sendo avós, pais, filhos, tios, primos ou padrinhos, vêem neste momento angustiante, desafiante, nunca antes vivido, um pingo de esperança. E é aqui, uma vez mais, que a pediatria é tão bonita! É nas crianças que vimos a esperança, o sorriso, a possibilidade de um mundo melhor!
Elas que não sonham o que se passa à sua volta e nos permitem, mesmo que por poucos minutos, esquecer o mundo lá fora e acreditar que VAMOS quase, quase TODOS FICAR BEM.
Salvaguardo que foram tidos em consideração os direitos de confidencialidade pelas pessoas entrevistadas
❤️❤️ é muito isto!
Felizmente que temos a alegria das crianças para nos darem a esperança e a força necessárias para enfrentarmos mais um dia e atenuar um pouco o medo q insiste em ficar!
❤️❤️❤️ Os meus olhos esperam também pela tranquilidade… porque diz-se que depois da tempestade vem a bonança!
Lindo e interessante texto. Muitos parabéns e obrigada pela partilha. Os meus olhos reflectem o mesmo. E o que mais me assusta é mesmo o medo de não poder ver o meu filho crescer, não me poder despedir e não poder voltar a abraçar. Mas tudo vai ficar bem
Obrigada pela partilha minha querida.. um orgulho ver-te construir este projeto.. um orgulho fazer parte das tuas “mães”
Obrigada eu por estares aqui <3